15 de fevereiro de 2010

manchete

«Miller manda os filósofos à merda, várias vezes»

"For example, we might find that those who strive for more abstract resolutions, as in philosophy, tend to denigrate others as deluded, vulgar, or simplistic in their preference for more pragmatic and less abstract perspectives. Philosophy can become simply a tool for describing others as false or stupid."

"While this resort to philosophy is essential to our academic purpose [Gell e Latour, claramente], the integrity of anthropology demands another commitment: a promise to betray such philosophical resolutions and return us to the messy terrain of ethnography."*

Queremos bengaladas.

14 comentários:

  1. * 2005 Daniel Miller (ed) Materiality, pp14-15, 41
    Eu cá não tenho nada contra os filosofantes, há por aí galhos bem menos úteis.
    Sou só eu a achar piada a estas novelas?
    Lembro-me que no facebook escolhi 5personalidades para me acompanharem num jantar de sonho: descartes, feyerabend, tina fey, oscar wilde e madre teresa de calcutá.
    É. Gosto barracada.

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  2. lindooo. não tinha visto isso mas, de facto, o Descartes ( não Décarte como se lê mas Descartes como eu gosto de ler) com o Wilde devia ser bonito de se ver...depois de apanhar do Descartes ainda apanhava da Madre só para não se achar muito bom. O Feyerabend concerteza passava o jantar a tentar falar e a tentar pôr um bocadinho de bom senso na coisa enquanto os outros 3 não lhe ligavam nenhuma. A grande Tina estaria concerteza a beber Bourbon a um canto e a rir que nem uma doida e observando toda a cena em 3d.

    Quanto ao Miller, que muito prezo, não façamos da "nossa" suposta intelectualidade uma novela mexicana.

    deixem lá os filósofos em paz...

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  3. Eu estava com a Tina a esse canto, rindo a 'bandeiras despregadas', atinçando-os de vez em quando (escolhi-a para me fazer companhia). O feyerabend é tão wild quanto o wilde, ia querer esganiçar o descartes e o seu método. Imaginei o wilde a fazer-se ao D. só para provocar a madre. A madre q, coitada, ia ser a única calma por ali, até lhe dar uma cena cardióhipoglicémica. No fim, o feyerabend levava-me a casa. Pronto, imaginámos o quadro ligeiramente dif, mas concordamos que era um grande momento. xD

    Novelas intelectuais são O Must.
    A política já foi assim, também.

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  4. Descartes esteve silencioso todo o jantar. Só no dia seguinte percebemos que não falava uma palavra de inglês, mas na altura pareceu sábio e ponderado, mesmo quando parte da peruca tocou na sopa.
    Já Fey esteve em chamas. Uma das piadas incluía referencias a charutos e a Bill Clinton, o que a Madre achou hilariante. Wilde riu-se para dentro e perguntou se 30 Rock já tinha sido cancelado. Depois comentou a ementa, a entrada, tirou fotos da Madre a beijar na face uma Tina deprimida.
    Durante tudo isto, Feyerabend olhava para a distribuição dos talheres, claramente insatisfeito. Li coisas rudes no seu blogue, quando cheguei a casa.

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  5. Estou a adorar esta experiência colectiva. Vamos escrever uma peça.

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  6. Kadgi tem razão. Descartes é francês, logo, não fala inglês. Essa é a única certeza cartesiana que este grupo bizarro me suscita.
    Talvez por ter estado calado, pelos seus longos cabelos Pantene 1630 ou simplesmente por ser francês (e toda a gente sabe como os ingleses e - porque dá jeito para o caso - seus colonizados, têm uma relação de amor/ódio com os franceses) tenha suscitado a lúxuria dos outros convivas...
    Imagino Fey e Madre a esgatinharem-se pela sua atenção e Wilde a prometer vir juntar-se a ele numa cabana junto à praia, deste lado da Mancha (coisa que fez, morrendo em Paris, depois de uma temporada louca de experimentação dos prostíbulos LGBT da cidade onde conheceu Foucault que o fez esquecer de uma vez por todas o distante Descartes e o fetiche por cabelos longos, ou por cabelos, tout court).
    O Feyerbend deve ter ficado certamente a amuar no canto, por falta de atenção. Ele que se deixe de ser um chato antipositivista e talvez a vida lhe dê algo de positivo.

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  7. David Miller tem um grande ponto a seu favor, falo em nome próprio pois formei-me em filosofia. Parte da filosofia dos últimos séculos tornou-se numa discussão de um conjunto de abstracções sem a mínima relevância para a vida humana. Mas desenganem-se se pensam que isso se atribui à generalidade da filosofia. Um fenómeno, para os mais incautos, deu-se na década de 50 na filosofia: começou a juntar a especulação filosófica (é preciso ser-se claro, em rigor a crítica de Miller deve-se a uma incompreensão do que é a filosofia) com estudos científicos. A filosofia não tem pretensões a ciência. Aliás das chamadas "ciências sociais" é única área que depende (e disso faz o seu apanágio) somente ao raciocínio sem recorrer a mais nenhum amparo. Por isso fazer filosofia é em grande medida ser-se capaz de imaginar.
    Mas a crítica à filosofia nesses termos revela uma crítica subjacente à antropologia e à sociologia, que incorrem frequentemente no erro de julgar a filosofia pela bitola do seu método (e muito deve a antropologia e a sociologia aos desenvolvimentos filosóficos do século XVII, mas essa herança esqueceu-se de criticar, conveniências...) que por somar o conjunto de características e dados estatísticos acerca da espécie humana pode derivar daí uma ciência. Ou que o mero estudo do comportamento dá direito a negar todas as outras áreas. Se a Antropologia persistir em considerar tudo o que não tem metodologia própria afundar-se-á tal e qual como a filosofia no século XIX ao proclamar o positivismo. Pois o estudo do homem, não é a soma ou a subtracção das suas características individuais e sociais, mas a sua capacidade de interagir. Nisso podemos culpar a filosofia, a sociologia, a antropologia e a ciência. Em suma: a espécie humana por continuar em insistir na divisão em detrimento da complementariedade. E podemos em grande parte agradecer a pessoas como Miller por esse contributo.

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  8. Para que não haja mal-entendidos, eu creio que há de facto razões para se julgar que a filosofia se tornou um conjunto de abstracções em grande medida. No entanto, a filosofia visa procurar o conhecimento e portanto não pode fechar as portas a diferentes áreas por mais inócuas que se venham a revelar. Quando digo que a filosofia depende somente do raciocínio não faço disso a sua mais-valia mas precisamente o seu grande problema, pois não tem outras bases em que se assentar. A encruzilhada actual deve-se ao facto de a tradição filosófica não nos ser suficiente para avaliar o mundo contemporâneo (e daí as abstracções inócuas), todavia, eu vejo um grande desejo dos novos filósofos, principalmente na Alemanha, em procurar novos caminhos precisamente nas áreas da antropologia, pois começa a sentir-se a necessidade de recolocar as questões nas pessoas e não em objectos abstractos (para isso temos a lógica e a matemática).
    Nesse sentido, vejo que os preconceitos enraizados (e defendidos) nas instituições começa a ter um impacto profundo no modo como um antropólogo observa um filósofo e vice-versa. Em suma: estamos a aprender a ser preconceituosos, e estão-nos a ensinar bem. A boa filosofia da actualidade, não sai das universidades.
    "Philosophy can become simply a tool for describing others as false or stupid." Esta frase revela um preconceito de parte a parte, da parte dos filósofos que insistem em matérias infecundas e da parte dos antropólogos, que aceitarem este argumento como óbvio, em declararem que a filosfia é somente isso. Aliás isso revela um processo mental muito próprio: vendo dados e não pessoas (etnograficamente) julga o todo pela parte. E isso leva ao que anteriormente disse: fatalmente, não se iludam, a antropologia poderá correr o risco de ser um mero contador e identificador de dados. Não sou defensor desta ideia, e por esse motivo, creio que a antropologia deve seguir o método etnográfico mas é importante que os antropólogos comecem a perceber (tal como os filósofos e sociólogos) que as áreas que investigam não se anulam, pelo contrário, complementam-se.

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  9. Responderei, H. e restantes, responderei!

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  10. O Miller tem razão no seu pragmatismo. A bengalada não é nos filósofos, mas sim nos antropólogos que de há uns vinte anos a esta parte se recolheram em auto-exercícios-auto-reflexivos-auto-pseudo-filosóficos. Vão pró terreno, carago! é o que vocês fazem melhor (que os outros, também)... acho que era isto que o Miller queria dizer. Por acaso, partilho a mesma irritação com os antropósofos.

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  11. Henrik, obrigada pelo comentário crítico. Citei Daniel Miller, não David, mas não interessa, levantas pontos importantes.
    O exercício de imaginação a que associas à filosofia devia ser de todas as áreas de conhecimento! Conhecer é imaginar modelos para a realidade, a partir do raciocínio, do terreno, ou da experiência. Não acho que uma área disciplinar se defina pelo seu método, ou pelo seu objecto, é só uma maneira que arranjámos de organizar os “colectivos de pensamento” em torno de determinados assuntos – são mais uma questão de perspectiva, de clivagem histórica e arbitrária, com grande importância política e económica (financiamento da fct, cof cof). Acredita que muito poucos antropólogos contemporâneos são como pintas, com pretensões a cientificismo e tomadores do todo pela parte. Existe, aliás, um grande pudor em teorizar, um pudor que eu pessoalmente não suporto. Irrita-me tanto tempo, dinheiro e pessoas entregues à etnografia e, depois, não existir meia dúzia de teóricos que pensem sobre o conjunto e tentem extrair dali alguma explicação, ou ordem dos factos. A antropologia tropeçou nela própria nos anos 80. Apesar da missão megalómana inscrita no nome, não vejo muita gente a tentar realizar “a ciência do homem”. Nesse sentido, C., não posso concordar contigo. Venham os antropósofos, se forem bons. Venham os Millers, que sabem casar o terreno com a teoria. Tirem-me da frente os coleccionadores de eventos curiosos, interpretados com meia dúzia de conceitos legitimadores, carimbos de autoridade. Fuck that. Isso é o passo número um, falta o resto! (O mais difícil…) E se o vosso projecto antropológico é outro, que não passa pela logia, arranjem um rumo e optimizem esforços.
    Henrik, a que alemães te referes? Há uma linha holandesa de cruzamento de filosofia com etnografia (cf. Annemarie Mol), parece-me um óptimo casamento.
    Não me interessa necessariamente “A Antropologia”, eu só quero aprender coisas e puder devolver, se possível. A questão é que são os antropólogos os primeiros a cortar as pernas uns aos outros. Ninguém se ouve, pa. Ninguém se ouve.

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  12. Não vejo contradição entre o que eu disse e o que afirmas: no fundo, estamos ambas a falar de dois polos de uma mesma questão - os pós-modernos bué auto-auto-reflexivos, que não fazem teoria porque não vão para o terreno; e os que vão para o terreno e não produzem reflexão teórica. No meio, está a virtude, como sempre - raiozapartam que essa também nunca muda de sítio! Ou dá-nos jeito que ela ali fique, quietinha, no meio das questões, assim podemos sempre encontrá-la, sem grande trabalho. Lol

    Continuo a interpretar o Miller como reacção aos pós-modernos que iam dando cabo da antropologia, de vez...

    Citando-te: "Conhecer é imaginar modelos para a realidade, a partir do raciocínio, do terreno, ou da experiência."

    Sim, d'acordo. Mas, no "nosso" caso, substituiria o "ou" pelo "e" [e colocaria modelos entre aspas?... não sei, preciso de pensar melhor nisso]

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  13. Sim, concordamos, mas asseguro-te que essa leitura deste texto do Miller não é a mais óbvia..

    O "e": ok. (Pus "ou" porque pensava nas experiências controladas, não na experiência pessoal, que incluí nessa coisa do "terreno".)

    As aspas para os modelos: não e sim, ideal versus prática. Terei de pensar melhor (já pensei algumas vezes, mas não responder rapidamente é sintoma de conclusões parcas). Depende também de como defines modelo, do quadro epistemológico que utilizas. Há por aí muita escolha.
    De qualquer forma, eu cá gostava mesmo de Saber.
    Mas também gosto muito de um chocolate da regina que pode nunca ter existido (memórias de infância) e da felicidade. :P

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