Uma pessoa folgada vai passeando entre livros e esfregam-lhe esta pergunta na cara; como resistir? (Se acham que seria fácil seguir em frente sem trazer o texto para casa, guardem-no para vocês e tomem isto apenas como mais uma mania para juntar ao rol-distintivo.) Então, eu cá achei que devia saber se a ciência tem limites, ou não, e quais, e porquê, e o que é que se diz por aí, e quem é que se chateia com quem… (As conferências Gulbenkian têm sempre este último carácter novelesco, que muito aprecio.) E como não sou egoísta, vou fazer um bocadinho de trabalho de spoiler, e dar-vos a resposta que encontrei, mesmo sem terem de pagar nada! (Não garanto rigor nem equidade, até porque não percebo nada de física.)
É quase-quase unânime: a ciência tem os seus limites, nem que sejam os extremos conjugados da capacidade cognitiva humana, fruto do seu percurso evolutivo, e dos constrangimentos sociais que envolvem a produção de conhecimento científico. Até aqui tudo bem, mas a coisa complica-se quando falamos do momento final, da aproximação, ou não, do fim da ciência. Os autores dividem-se de forma curiosa: os mais próximos das temáticas sociais, tendem a enfatizar a actual “crise da ciência”. George Steiner, org. da conferência, enumera-lhe alguns aspectos: a separação da ciência em relação ao humanismo e a formação “das duas culturas”; os problemas de comunicação resultantes da progressiva fragmentação das disciplinas em sub-especialidades (ideia que alguém critica com o amigo Google); o isolamento das instituições científicas e a fraca cultura científica pública; o desapontamento e desconfiança em relação à ciência que marcou a segunda metade do séc.XX; o aumento da superstição. John Horgan, que é assim a “ovelha pessimista” da conferência, afirma mesmo que acabaram as revoluções científicas – as grandes lógicas estão todas descobertas –, e que a partir de agora só devemos contar com o prolongamento dos paradigmas vigentes. Helga Newotny sublinha o afastamento entre prática científica e experiência humana, através da autoridade da primeira na constituição de conhecimento; Laura Bossi fala do universal do desejo de imortalidade, que a medicina tenta constante e frustradamente realizar através da procura da a-mortalidade (!). Por outro lado: os físicos e os biólogos, que depositam grande esperança no que ainda existe por descobrir e no princípio humano da curiosidade. A astronomia, a física de partículas, as neurociências e a compreensão da origem da vida aparecem como jovens promessas de entretém científico para as próximas dezenas de anos. As dificuldades tecnológicas que alguns projectos enfrentam são referidas como temporárias e, a propósito da teoria das cordas (ao que parece muito importante para a unificação das teorias físicas dominantes, mas não-verificável (o que chateia uns mais do que outros)), é sugerida a necessidade de uma reflexão epistemológica profunda e actual – os popperazzis são os bobos recorrentes.
Por fim, o Prof. Doutor J.C. parece querer mandar as ciências sociais para qualquer lado que não percebo muito bem onde fica: “Porquê, então, a pertinência da questão de George Steiner sobre os limites? Porque ela radica na separação que a modernidade construiu entre a cultura da filosofia e das humanidades e a cultura da ciência, que as ciências sociais tentaram superar sem êxito, ao afirmarem-se como uma terceira cultura, uma espécie de ponte entre as outras duas.” (202). Não que discorde profundamente, mas pronto, é a única vez que as ciências sociais são [explicitamente] chamadas ao assunto… [bitaites!]
Quando li o titulo pensei mais em questões éticas (relacionadas com "o uso da ciencia em humanos"). Toca levenemte no assunto, quando se lê "dos constrangimentos sociais que envolvem a produção de conhecimento científico"
ResponderEliminarIsto agora dava pano para mangas... Claro que a ciencia é para promover o "bem humano", seja qual for a perspectiva da análise...
Achei piada ao "nem que sejam os extremos conjugados da capacidade cognitiva humana" :)
Concordo contigo, é uma lacuna evidente da conferência/livro! A questão é tratada muito "ao de leve" por uma das autoras, quando refere a regulação da criatividade nas sociedades pela economia, democratização e ética. Quase todos os autores mencionam a ética, mas nenhum lhe presta muito tempo.
ResponderEliminarTalvez num outro post!