20 de setembro de 2009

Gell (1998): a antropologia da arte

Inscrita nos debates sobre o estudo antropológico dos objectos artísticos, Art and Agency – obra póstuma, escrita nos últimos meses de vida de Alfred Gell – é comummente apresentada como revolucionária, ou pelo menos de grande importância, na medida em que avança uma série de propostas operativas para o campo disciplinar, para além de procurar localizá-lo e defini-lo no espaço da Antropologia. Mais do que uma reflexão sobre os objectos, é importante destacar que Gell tem uma versão própria sobre o que deve ser Antropologia da Arte, demarcando-se explicitamente das suas versões institucionais – mais próximas da Sociologia – e simbólico-interpretativas – afins da Antropologia Cultural Americana e da Teoria da Arte, suportadas por alguns discursos filosóficos –: da construção e/ou reconhecimento da arte ao nível das esferas metropolitanas influentes (críticos, negociantes, coleccionadores, teóricos, etc – o “mundo das artes”(Cf. Becker)), e da expressão artística como linguagem, meio de comunicação estética que parte de uma série de convenções simbólicas sobre a forma, respectivamente. Alertando para os perigos da imposição de um modelo etnocêntrico a contextos alheios à definição institucional da arte (sem que com isso deixem de possuir objectos de relevância artística, com os quais indivíduos e grupos se relacionam segundo padrões relativamente semelhantes aos que Gell observa para o ocidente) e para os da reificação da cultura, vazia de relações sociais, na formulação de quadros de avaliação estética – que é estratégia normalmente adoptada pela Antropologia da Arte de pendor mais simbólico e/ou interpretativo –, Alfred Gell prefere uma abordagem action-orientend, como deixaria adivinhar o seu treino na escola Social Britânica, em que o idioma da comunicação é substituído pelo das relações sociais, e do da textualidade pelo da agência. É por isto que à teoria deste autor se associa um certo filistinismo metodológico (Quintais, 2007; Thomas, 1998), produto do deslocamento do sentido para a mediação social; nesta Antropologia da Arte interessam sobretudo as relações de agência nas imediações do objecto artístico, abordagem que faz maior jus à sua especificidade pela eficácia social (Cf. Gell, 1992) do que pela sua forma ou conteúdo. Sem rejeitar as perspectivas concorrentes, o esforço de Gell é o do resgate e autonomização da sub-disciplina face a este objecto partilhado que é a arte, defendendo que esta não pode existir sem ser em diálogo com a teoria antropológica disponível; a primeira deve ser apenas uma derivação da segunda, um registo enfocado, mas nem por isso independente: “The position I have reached is that na anthropological theory of art is one which ‘looks like’ and anthropological theory, in which certain of the relata, whose relations are described in the theory, are works of art.” (Gell, 1998: 10) . Deste modo, a formulação e aplicação de uma teoria antropológica da arte não depende necessariamente do estatuto de “obra de arte” dos seus objectos, ela afirma-se antes como a compreensão das relações pessoas-coisas e pessoas-pessoas via coisas, nas quais os produtos assim reconhecidos participam (note-se que a tese de Gell é assumidamente uma tese dos objectos e da arte plástica). Daí que a definição de objecto artístico se estenda muitíssimo em Art and Agency: é arte tudo aquilo que preencher a slot dos objectos artísticos no sistema de termos e relações estabelecidos por Gell (ibid.: 7). Este enunciado, estritamente teórico e relacional, ainda que dilua a categoria de “objecto artístico” – ao ponto de poder corresponder-lhe, em potência, qualquer dado material do mundo –, tem como vantagem contornar os debates filosóficos em torno da natureza e/ou essência da arte e superar as diferenças estabelecidas entre arte primitiva e arte ocidental , no sentido de encontrar-lhes uma plataforma de análise comum.
[excerto de recensão, notas omissas*]

9 comentários:

  1. *Referências: Gell, Alfred. 1998. Art and Agency: an anthropological theory. Oxford e Nova Iorque, Claredon Press.;
    Quintais, Luís. 2007. Fluidez tectónica. As bio-tecno-ciências, a bio-arte e a paisagem cognitiva do presente. Revista Crítica de Ciências Sociais, 79: 79-94.;
    Thomas, Nicholas. 1998. Foreword. In: Art and Agency: an anthropological theory. Oxford e Nova Iorque, Claredon Press.

    ResponderEliminar
  2. Oh! Também quero capitalizar o parco trabalho que desenvolvi no decurso do meu mestrado no estrangeiro!...
    Tenho aqui uma ficha de leitura de um artigo do Daniel Miller a dizer mal do Gell, queres, queres?!

    ResponderEliminar
  3. Gee... era a brincar. Nem pensar em expôr ao mundo o meu francês da quarta classe.
    Para além disso não é exactamente um Manifesto Anti-Gell... Não há PIM! PUM!s para nnguém... (para muita pena minha). É sobre a materialidade e nele se comentam alguns autores (Hegel, Latrour, Gell...), mas em boa verdade as críticas que faz ao Gell não são nada que não devas ter lido noutros sítios.
    Mas dou-te a referência: MILLER, Daniel, 2005, « Materiality : An Introduction » in MILLER, Daniel (ed.), 2005, Materiality, Duke University Press, p. 1-50.

    (se não encontrares e quiseres muito, eu repenso em engolir a minha vergonha...)

    ResponderEliminar
  4. Ok, fica a referência, mas olha que leio pior francês do que tu escreves, de certeza. :P Parece-me mt interessante, vou procurar!

    ResponderEliminar
  5. Olha que duas...essa burguesa da Carolina agora dá-me nisto..manifesto anti-Gell??? O que vale é que é desse grande senhor o sô Daniel Miller!

    Também quero :(:(

    e neste momento está a Liliana na festa alemã e eu em casa porque estou a morrer mas em grande estilo.

    ResponderEliminar
  6. Pois estava, MJ, pois estava. Magotes de homens de calções, a dançar e a cortar lenha para nós.

    ResponderEliminar
  7. Sim, sempre. Magotes com serrotes, a cortar barrotes.

    ResponderEliminar